Características técnicas

Alagados naturais – assim como pântanos, manguezais, banhados etc. – são ambientes que ficam inundados permanente ou sazonalmente, criando habitats para plantas aquáticas e condições para o desenvolvimento de solos. Já os alagados construídos são sistemas projetados, constituídos por lagoas (ou células) e canais artificiais que simulam os processos dos ecossistemas naturais, de forma que seus mecanismos ecológicos são controlados por meio de princípios da engenharia civil e sanitária [38].

Alagados construídos são, portanto, bacias rasas preenchidas com substrato – geralmente areia ou cascalho – onde é plantada vegetação aquática. De acordo com o objetivo pretendido, a água residual pode fluir de diferentes maneiras [27]:

  • horizontal sobre a superfície do solo;
  • horizontal sob a superfície do solo e através da camada de substrato; ou
  • vertical através de todo o sistema.

Os sistemas de drenagem de águas superficiais se destinam a transportar a água das chuvas para o curso d’água mais próximo, sendo que, ao longo do caminho, o líquido coleta substâncias chamadas de “poluição difusa” – uma das fontes de contaminação mais desafiadoras para avaliar e resolver, com potencial para conter mais de 300 poluentes diferentes [39].

Idealmente, o sistema de escoamento de águas urbanas deve ser o “sistema separador”, no qual há conjuntos de canalizações independentes para esgoto e para a drenagem de água pluvial. Muitos municípios no Brasil possuem este tipo de rede, porém ainda é muito comum encontrarmos o “sistema combinado” – geralmente em municípios menores e/ou em redes antigas de municípios maiores –, nos quais água de chuva e esgoto compartilham da mesma estrutura.

Uma das principais vantagens do sistema separador é encaminhar as águas pluviais diretamente para os rios, de modo a não sobrecarregar o sistema de tratamento de esgoto. No entanto, a realidade nos mostra que isso pode se converter em desvantagem, levando à poluição generalizada dos rios devido a poluição difusa das cidades. Esta situação ainda se agrava devido a uma prática muito comum no Brasil: a conexão de esgoto doméstico à rede de águas pluviais.

Quanto ao formato e tamanho dos alagados construídos, recomendamos considerar alguns pontos [37]:

  • Em geral, quanto maiores os alagados, mais eficazes serão na remoção de poluentes;
  • Os alagados devem ser dimensionados de acordo com o tamanho da área de captação a ser drenada e a carga de poluição a ser recebida. Sugerimos que a área de superfície do sistema de zonas úmidas seja de 1% a 5% da área de captação [37];
  • No caso de uma bacia muito extensa, é mais eficaz criar vários alagados menores distribuídos por toda a bacia do que uma única grande estrutura;
  • O tamanho médio de um alagado em uma área urbana gira em torno de 1.000 m² a 3.000 m², podendo variar muito conforme a profundidade;
  • Geralmente as células possuem a forma ovoide, sendo a proporção comprimento x largura menor que 4/1 considerada ideal para fins de tratamento [40];
  • Células longas e estreitas devem ser evitadas, pois podem aumentar a velocidade do fluxo e reduzir a eficácia na retenção de fósforo;
  • Recomendamos que o projeto inclua um mínimo de 3 a 4 células com tamanho semelhante – dependendo da topografia e da localização, esta quantidade pode ser aumentada;
  • A primeira célula no sistema exige cuidado especial, pois recebe a maior carga de lodo e de poluição e, por isso, pode ser mais profunda para capturar a maior quantidade de sedimentos.
Representação esquemática de planta baixa e seção longa de um alagado construído. (Imagem elaborada com base em Melbourne Water, 2010).

Como o sistema funciona?

Os impactos ecológicos da poluição difusa são frequentemente associados ao enriquecimento de nutrientes (eutrofização), à contaminação de sedimentos e ao assoreamento. Os alagados construídos simulam os processos hidrológicos de pântanos naturais e combatem esses processos indesejados por meio de quatro mecanismos principais [37]:

  1. Compensação de nutrientes – Plantas pantanosas usam nutrientes como nitrogênio e fósforo para crescer.
  2. Irradiação UV – A exposição à luz ultravioleta ajuda a remover patógenos e a decompor poluentes orgânicos.
  3. Sedimentação – Plantas pantanosas aumentam a resistência hidráulica e reduzem a velocidade; além disso, sólidos suspensos caem junto com poluentes agregados, como metais e fósforo não solúvel.
  4. Ação microbial – A estrutura da raiz da planta pantanosa cria uma grande área de superfície microbiana rica em oxigênio. Esses micróbios decompõem poluentes orgânicos– como hidrocarbonetos – e os transformam em nutrientes. Este processo é auxiliado pela grande área de superfície de água rasa, o que melhora ainda mais oxigenação.

Em resumo, podemos dizer que nestes sistemas ocorrem simultaneamente processos [36]:

  • físicos – filtração, sedimentação, volatilização;
  • químicos – adsorção, oxidação, redução, precipitação, quelação; e
  • biológicos – degradação e absorção pelos microrganismos, decaimento de patógenos, extração pelas plantas, entre outros.

Quanto à estrutura dos alagados construídos, podemos observar algumas características funcionais que devem ser atendidas no projeto [27]:

  • Há uma entrada (inflow) para o escoamento de águas pluviais;
  • A água flui horizontalmente através das células do sistema enquanto é naturalmente filtrada e limpa. O escoamento da água da chuva pode fluir sobre ou através da camada de substrato;
  • Há uma saída para a descarga (outflow) de água com controle de vazão. A água purificada flui para a rede de águas pluviais ou, em alguns casos, pode ser desviada para outro tanque onde é armazenada e posteriormente reutilizada;
  • A água da chuva tratada pode ser usada para diferentes fins (por exemplo, para irrigação dentro da cidade em áreas verdes).

Seleção de espécies vegetais

As plantas dos alagados construídos são os agentes primários de controle de fluxo, pois agem como defletores que reduzem a velocidade do fluxo de água e ajudam a espalhar os fluxos por toda a célula do alagado. Isso aumenta o tempo de detenção e garante que uma sedimentação eficaz seja alcançada [37].

Por conta dessa função tão importante, as plantas devem ser selecionadas com cuidado, levando-se em conta sua função para tratamento da água, os fins paisagísticos, a promoção de habitats para a vida selvagem e a facilidade na manutenção. Como em outras SbN, é recomendável que se dê preferência a espécies nativas, além de adaptadas a áreas úmidas.

No Brasil, há uma boa variedade de espécies nativas que atendem a estes requisitos, o que pode tornar causar indecisão na escolha. Porém, dadas todas as condições envolvidas, abordamos alguns princípios básicos [37] a serem levados em conta para o melhor desempenho do sistema:

  • Algumas plantas se desenvolvem melhor em águas poluídas, enquanto outras preferem águas mais limpas. De forma muito grosseira, é possível afirmar que plantas com flores mais coloridas são menos tolerantes à poluição, enquanto as espécies mais resistentes tendem a ser menos diversas visualmente.
  • Espécies mais resistentes devem ser selecionadas para a primeira célula, pois ela receberá os níveis mais altos de carga de poluição.
  • Deve-se evitar espécies não nativas, invasivas e exóticas, pois elas têm a tendência de invadir os ecossistemas circundantes e comprometer o valor ecológico do projeto, já que abrem caminho para outras espécies invasoras colonizarem corpos d’água locais.
  • Não podemos esquecer de que, estruturalmente, os alagados construídos são bacias rasas. Neste sentido, espécies com raízes muito profundas podem prejudicar a composição e a estrutura do substrato.

Uma abordagem interessante é plantar todas as espécies selecionadas em todos os pontos do alagado e ver quais delas prosperam melhor. Isso pode parecer aleatório, mas criar uma paleta diversificada possibilita que cada planta tenha a oportunidade de testar as diferentes condições ambientais encontradas em diferentes partes dos alagados. Além disso, pode aumentar a resiliência do sistema ao mesmo tempo que ajuda a apoiar comunidades mais diversas da vida selvagem local, como pássaros, anfíbios e macroinvertebrados [41].

Existem várias opções de plantio, incluindo as seguintes, que listamos em ordem crescente de custo/tamanho [37]:

  • Sementes – são baratas, mas demoram mais para se estabelecer;
  • Plantio de mudas – geralmente não podem ser plantadas diretamente em águas profundas;
  • Plantas em vaso – adequadas para plantio no entorno e bordas dos alagados;
  • Esteiras de coco – plantas semi maduras (normalmente com 18 meses de idade) cultivadas em esteiras de coco que podem ser relativamente caras, mas são muito fáceis de instalar e, se plantadas perto do início da estação de crescimento, podem estabelecer um pântano maduro em poucos meses.

Uma combinação dessas abordagens ajudará a otimizar a sobrevivência das plantas e o estabelecimento do habitat.