Planejamento sistêmico para SbN

Planejamento sistêmico na prática

As SbN não devem constituir-se como um fim em si mesmas. Devem estar alinhadas a objetivos e estratégias mais amplas de conservação da natureza, de inclusão social e de desenvolvimento urbano e regional, a partir da construção de um planejamento sob a ótica sistêmica e orientado aos principais desafios da sociedade.

O planejamento sistêmico deve estar atrelado a um arcabouço normativo, formado a partir de instrumentos integrados que tenham clareza quanto aos problemas a serem resolvidos, ao propósito das ações, aos papéis e responsabilidades, à origem e à prioridade na destinação dos recursos, aos planos de ações estratégicas (planos, programas, projetos), ao acompanhamento dos resultados, entre outros itens.

Entendemos, neste intuito, que a materialização do planejamento sistêmico em escala local deve ocorrer a partir do Plano Integrado Municipal, que consiste no resultado da harmonização das políticas de planejamento territorial, tendo o Plano Diretor Municipal como seu principal instrumento.

O Plano Diretor Municipal

Por princípio constitucional, cabe aos municípios a responsabilidade pela política urbana. O Estatuto da Cidade é o instrumento que dá amparo legal e estabelece os instrumentos necessários para que os municípios elaborem e implementem seus planos setoriais, a partir do Plano Diretor (PD).

O Plano Diretor – obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes – é uma lei municipal que orienta o desenvolvimento da cidade e estabelece diretrizes de ações, geralmente para os próximos dez anos. Ele é a base para a implementação de outras leis municipais e direciona as ações dos produtores, públicos ou privados, do espaço urbano para que a cidade se desenvolva de forma planejada e atenda às necessidades coletivas da população. Seu objetivo é, portanto, garantir cidades mais equilibradas, inclusivas, ambientalmente responsáveis, produtivas e, sobretudo, com qualidade de vida [23].

A partir de previsões e indicações no Plano Diretor, leis complementares podem ser criadas para atendimento e detalhamento de temas que exijam o tratamento específico no arcabouço legal do Plano Diretor, tais como:

  • Macrozoneamento Municipal;
  • Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano;
  • Lei de Parcelamento do Solo Urbano;
  • Lei do Perímetro Urbano e da Zona de Expansão Urbana;
  • Código de Obras;
  • Código de Posturas.

Além disso, o Plano Diretor também prevê indicações para a criação de instrumentos legais para atendimento aos Planos Setoriais. Dentre eles, destacamos:

  • Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS);
  • Plano Municipal de Redução de Risco (PMRR);
  • Plano Municipal de Saneamento Ambiental (PMSA);
  • Plano Municipal de Resíduos Sólidos (PMRS);
  • Plano Municipal de Mobilidade Urbana (PMMU);
  • Plano Municipal de Drenagem Urbana (PMDU);
  • Plano Municipal de Áreas Verdes (PMAV);
  • Plano Municipal da Mata Atlântica/Cerrado;
  • Plano de Adaptação e Resiliência/Ação Climática;
  • Plano de Educação Ambiental.

Como integrar as ações de SbN ao Plano Diretor Municipal?

O Plano Diretor Municipal é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana que tem o papel de integrar e articular as questões do território dos municípios como um todo. É neste documento, portanto, que as SbN devem ser incorporadas de maneira ampla e abrangente, com previsões e indicações claras para detalhamento nos regramentos específicos.

A partir destes direcionamentos indicados no Plano Diretor, o regramento é descrito nos planos setoriais e outros instrumentos legais e infralegais que compõem o arcabouço jurídico do Plano Diretor, de modo mais específico a partir do objeto da análise de sua execução.

Portanto, embora estejamos falando do Plano Diretor, na prática as Soluções baseadas na Natureza podem ser incorporadas em diferentes planos em desenvolvimento ou revisão. Ou seja, o cronograma de revisão do Plano Diretor não inviabiliza a incorporação das SbN em outros planos – por exemplo, de saneamento, de clima, de adaptação, da Mata Atlântica, de habitação, de transporte etc. –, de acordo com as oportunidades apresentadas.

O planejamento integrado não deve ser algo estático, que se encerra com a divulgação de um plano em que estabeleça objetivos, ações, metas e ferramentas de gestão e monitoramento. É preciso envolver, também, um processo de pensamento, diálogo e intervenção que preveja constante revisão e atualização [19].

Destaca-se que, nas oportunidades de elaboração ou de revisão do Plano Diretor – geralmente a cada dez anos –, instrumentos infralegais já criados, como Decretos ou Resoluções, podem ser incorporados no marco normativo do Plano Diretor, seja como parte da Lei principal ou tornados numa espécie normativa mais abrangente, como as políticas setoriais. Neste sentido, aproveitar os longos intervalos entre uma revisão e outra para levantar discussões e criar instrumentos que considerem SbN é uma estratégia interessante para se antecipar às demandas.

Recomendações e aprendizados

O Plano Diretor pode incorporar de modo abrangente questões como:

  • conceitos e princípios de SbN no entendimento do município;
  • listagem de quais agendas e setores podem – ou devem – incorporar a lógica de SbN a partir de instrumentos específicos, como os planos setoriais e seus complementos;
  • parâmetros urbanísticos com indicação de possibilidades e requisitos para implementação de SbN;
  • indicação de onde e em quais situações as SbN devem ser priorizadas. Por exemplo: determinar que prédios públicos novos – ou um percentual dos já existentes – devem adotar práticas sustentáveis como telhados ou fachadas verdes;
  • indicações de criação de corredores de biodiversidade, recomendações de proteção e valorização paisagística de áreas ambientalmente frágeis etc.;
  • conceitos, instrumentos e parâmetros norteadores da política urbana que estabeleçam comprometimento do município com os compromissos globais; entre outras.

No município de Belo Horizonte/MG foi adotada uma estratégia interessante e de sucesso em termos normativos, que inclui no Plano Diretor (Lei Municipal nº 11.181/2019) conceitos, instrumentos e parâmetros norteadores da política urbana atrelados à Nova Agenda Urbana (NAU), de forma a estabelecer o comprometimento da cidade com os compromissos globais. Tal estratégia está explicitada no Capítulo II – Da política urbana municipal e da nova agenda urbana, que traz em seu art. 3º o seguinte:

Art. 3º – O Plano Diretor está fundamentado no compromisso de implementação no Município da Nova Agenda Urbana – NAU, documento consolidado na terceira Conferência das Nações Unidas para Habitação e Desenvolvimento Sustentável.

Parágrafo único – O compromisso do Município com a NAU contempla a consideração de acordos e pactos a ela vinculados para o desenvolvimento da política de crescimento urbano e ordenamento territorial, com destaque para os princípios orientados pelo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS-11, voltado para tornar as cidades mais inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis.

Sugerimos considerar alguns pontos:

  • Alguns instrumentos podem ser criados para tratar o tema das SbN de maneira transversal nos municípios, ancorados por dispositivos mais amplos, como os Planos Municipais de Adaptação, previstos no Plano Nacional de Adaptação (PNA);
  • É interessante construir planos tomando-se a bacia hidrográfica como unidade de planejamento associados aos planos de drenagem, conforme adotado no município de São Paulo/SP;
  • É possível considerar a incorporação, associada ao risco hidrológico, do conceito de “zonas de inundação” – no Plano Diretor e na legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo – como critério técnico que define as atividades permitidas nessas áreas, de modo a atender aos objetivos e diretrizes para as macrozonas, macroáreas e rede de estruturação da transformação urbana;
  • A indicação de implantação de parques lineares deve ser feita preferencialmente de montante para jusante dos cursos d’água, o que reafirma a necessidade da elaboração de um plano completo de recuperação da rede hídrica, definindo com clareza prioridades e etapas de implantação [24];

No Plano Diretor de Belo Horizonte/MG há previsão de áreas específicas do território municipal onde o ordenamento do solo deve ser voltado para a criação de parques lineares. Para tanto, foi criado um zoneamento ambiental chamado Conexão Ambiental de Fundo de Vale, que apresenta áreas de “fundos de vale onde há necessidade de saneamento ambiental amplo, visando à restauração da qualidade dos cursos d’água, à necessidade de contenção de cheias, à recuperação de ambientes hídricos e à intervenção em áreas de preservação permanente, de forma a viabilizar a implantação de parques lineares” (art. 198, inciso II). Complementarmente, este instrumento também abarca as chamadas Conexões Verdes, que são compostas por “vias que interligam zonas de preservação ambiental e áreas de diretrizes especiais ambientais, visando à melhoria da arborização urbana e à formação de corredores ecológicos” (art. 198, inciso I).

  • Buscar parcerias com expertise técnica para planejamento, implementação e monitoramento é fundamental;
  • Em muitas situações, é preciso um trabalho político – porém não partidário – para que as articulações gerem, de fato, um marco normativo, impactando na criação de fundos ou qualquer atitude prática que garanta a perenidade das ações, e não fique apenas em um discurso teórico;
  • É sempre recomendável envolver técnicos de diferentes áreas – os da área ambiental podem atuar de forma transversal, enquanto os de finanças, planejamento, urbanismo e obras podem agir por meio de um comitê para criar interface.

Quanto ao processo de planejamento, julgamos importante considerar que:

  • Um bom Plano Integrado exige a formação de um corpo técnico e administrativo coeso, a identificação de atores estratégicos, a observância das legislações federal e estadual pertinentes, o levantamento das ferramentas e dos instrumentos urbanísticos disponíveis, além das etapas de construção, mobilização e leitura do território. E, ainda, demanda a integração do Plano Urbano com os diversos planos setoriais, as análises estratégicas envolvidas nesse processo e a elaboração de projeto de lei para a implantação deste Plano [19];
  • Deve haver transparência quanto à governança e ao arranjo institucional do projeto no que se refere a regras, papéis e responsabilidade dos agentes envolvidos. Além disso, para um bom andamento das ações, deve também haver alinhamento entre estes atores em um processo idealmente participativo e transparente. O arranjo institucional deve ter ampla representatividade de atores locais, de modo a conhecer e a compreender a realidade específica, além de criar relação de confiança com os moradores;
  • Recursos são escassos, por isso é importante priorizar os pontos em que haverá mais entrega de serviços e efetividade dos resultados, a partir de estudos diagnósticos que estabeleçam áreas prioritárias, bem como buscar a conexão entre programas, políticas e estratégias complementares.

Onde buscar orientação?

Existem programas desenvolvidos por órgãos executivos federais, junto a parceiros estratégicos, focados em oferecer metodologias e ferramentas de planejamento desde o início do planejamento até a elaboração conjunta de planos de ação, considerando a integração de áreas e saberes multidisciplinares. Dentre estas iniciativas, destacam-se o Programa Cidades Sustentáveis e o Projeto Andus.

Programa Cidades Sustentáveis

O Programa Cidades Sustentáveis (PCS) promove a sustentabilidade e a Agenda 2030 para planejamento municipal que, assim como o Observatório de Inovação para Cidades Sustentáveis (OICS), é desenvolvida no âmbito do Projeto CITinova, projeto multilateral realizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), com financiamento do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF).

Saiba mais sobre o projeto CITinova

Dentre as muitas ferramentas e metodologias de apoio à gestão pública oferecida, destaca-se o módulo focado no processo de planejamento sistêmico e na construção de planos integrados. A proposta é oferecer uma metodologia de planejamento urbano que abranja desde o planejamento até a elaboração conjunta de planos de ação, além de disponibilizar um amplo conjunto de informações úteis para a consolidação de um plano urbano integrado para as cidades brasileiras, independentemente de suas características socioespaciais, de sua vocação econômica e de suas especificidades regionais e culturais.

Clique aqui entenda melhor sobre o Planejamento Integrado do PCS

O Programa dispõe do Guia de Introdução ao Planejamento Urbano Integrado, um material que auxilia as prefeituras em todas as etapas de construção do Plano Integrado – desde a elaboração até o monitoramento e a avaliação. Vai iniciar o processo de construção do seu plano integrado? Então não deixe de acessar o Guia de Introdução ao Planejamento Urbano Integrado – passo a passo aqui

Projeto Andus

Coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e pelo Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, o projeto apoia a elaboração da Estratégia Nacional de Desenvolvimento Urbano Sustentável, por meio de projetos piloto com municípios, da gestão de conhecimento e de parcerias urbanas estratégicas. Já a estratégia nacional considera recomendações para o aprimoramento dos instrumentos de gestão urbana, tais como:

  • o Plano Diretor (PD);
  • o Zoneamento Ambiental Municipal (ZAM);
  • o Cadastro Ambiental Urbano (CAU);
  • a Integração dos Serviços Ecossistêmicos no Planejamento Urbano (ISEU);
  • a construção da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU);
  • a Carta Brasileira de Cidades Inteligentes (Carta).

Saiba mais sobre o Projeto Andus

Dentre as estratégias do Projeto, destaca-se o Guia para elaboração e revisão de planos diretores, um material com uma nova abordagem na elaboração de Planos Diretores, que considera os Objetivos de Desenvolvimento (ODS), a Nova Agenda Urbana (NAU) e o pacto climático do Acordo de Paris. A partir da identificação de problemáticas concretas, o método auxilia o agente local na definição de uma estratégia de enfrentamento adequada à realidade específica do município, considerando a sua capacidade administrativa, as ferramentas disponíveis e aquelas possíveis de serem implantadas. Vai planejar ou revisar o Plano Diretor do seu município? Então não deixe de acessar o Guia para Elaboração e Revisão de Planos Diretores